quinta-feira, 30 de junho de 2016

Após onze anos, Karina Somaggio, principal testemunha do mensalão, comenta resultados da Lava-Jato

Pré-candidata a vereadora, a ex-secretária prestará novo depoimento à Polícia Federal em julho
Foto tirada durante uma vernissage, no dia 26/05/2016, dois antes da morte do gorila Harambe, em um zoológico dos EUA, em 28/05. A onça Juma foi morta por soldados do exército no dia 20/06, durante a passagem da Tocha Olímpica, em Manaus. Premonição? (Foto: Arquivo pessoal)

 Erick Vizoki
Denúncias envolvendo “pesos pesados” da política nacional, desde pequenos parlamentares até presidentes da República, além de empresários poderosos e funcionários ligados a órgãos públicos, desenham um quadro que, apesar de nefasto, revelam uma sensação de civismo que aos poucos vem seduzindo os corações do povo brasileiro. Isso porque essas denúncias têm partido justamente de onde os barões da corrupção menos esperavam: do próprio povo, pessoas comuns, trabalhadoras e principais vítimas do descaso e escárnio protagonizados pelos corruptos.
Entre esses nomes, um se destacou há onze anos ao testemunhar e citar nomes do alto escalão governista, ainda na gestão presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva, no episódio que entrou para a história recente do Brasil como “Escândalo do Mensalão”.
Em 22 de junho de 2005, a revista IstoÉ Dinheiro publicou uma explosiva e histórica entrevista com Fernanda Karina Ramos Somaggio, então secretária do publicitário Marcos Valério de Souza, um dos donos da agência de publicidade SMP&B,  quando revelou um escandaloso esquema de pagamento de altos valores em propinas para diversos políticos ligados à cúpula do governo e de partidos da base governista. Eram eles o Partido dos Trabalhadores (PT), Partido Popular Socialista (PPS), Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Partido da República (PR), Partido Socialista Brasileiro (PSB), Partido Republicano Progressista (PRP) e Partido Progressista (PP). A entrevista acabou confirmando as denúncias feitas anteriormente pelo então deputado federal e presidente do PTB, Roberto Jefferson, até aquele momento sem provas concretas de suas delações.
O episódio levou o Ministério Público a entrar com a ação penal nº 470 no Supremo Tribunal Federal. A imprensa passou a chamar o esquema de pagamento de propinas de “valerioduto”. Cerca de onze anos depois, o apelido mostrou-se quase profético com a deflagração da Operação Lava-Jato, onde os dutos da maior estatal brasileira, a Petrobras, passaram a jorrar tanto dinheiro sujo para as contas de políticos e empresários quanto petróleo.
Fernanda Karina Somaggio durante depoimento na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investigou as denúncias de corrupção nos Correios em 2005. (Foto: Valter Campanato/Agencia Brasil)
Após as denúncias para a IstoÉ, Karina Somaggio foi chamada para depor na CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) dos Correios, quando citou nomes, locais e quantias por cerca de 18 horas, inclusive entregando sua agenda pessoal, com inúmeras anotações de seu chefe. Na época, o Ministério Público não considerou tais provas contundentes, posição que foi revista e comprovada aos poucos durante as investigações e que finalmente culminaram em outro escândalo muito maior, que acabou ficando conhecido como “Petrolão”.
A coragem e heroísmo de Karina Somaggio colocou o Poder Judiciário em rota de colisão com as classes políticas e empresariais corruptas, o que culminou com a prisão de nomes poderosos da República, como o ex-ministro Chefe da Casa Civil do ex-presidente Lula, José Dirceu (PT), o ex-presidente da Câmara dos Deputados João Paulo Cunha (PT) e José Genoíno e Delúbio Soares, ex-presidente e ex-tesoureiro, respectivamente, do Partido dos Trabalhadores.
Mas os holofotes sobre a ex-secretária de Marcos Valério lhe trouxeram mais problemas do que reconhecimento. Após sofrer vários processos de acusação por parte do ex-patrão, todos ganhos, Karina negou uma proposta feita pela revista Playboy, no valor de R$ 2 milhões e foi candidata a deputada federal pelo PMDB de São Paulo em 2006, quando conseguiu arrecadar cerca de 2 mil votos e não foi eleita.
Na mesma época em que seu ex-marido pediu divórcio, seu pai foi assassinado em um assalto, se viu desempregada e sofreu perseguição política. Com o psicológico abalado, foi obrigada a sair de sua cidade e recomeçar do zero, ao lado de sua família como dona de casa e dedicando-se ao ativismo animal.
No próximo mês de julho, Karina deverá prestar novo depoimento à Polícia Federal, em São Paulo, em virtude das denúncias, em delação premiada, do ex-líder do PT no senado, Delcídio do Amaral. Em entrevista ao jornal ZeroHora, em 28 de março, Karina Somaggio reafirma que “o que Delcídio fala é exatamente o que falei”. A PF a intimou no dia 31 daquele mês e, no novo depoimento, novas informações, desta vez em relação à Lava-Jato, devem surgir e ganhar a mídia.
Nesta entrevista, Karina Somaggio conta o que mudou em sua vida após as denúncias de 2005, avalia a atuação da Justiça na Operação Lava-Jato e as repercussões de sua iniciativa há onze anos que podem culminar na prisão do ex-presidente Lula e no afastamento definitivo da presidente Dilma Rousseff.
Ela também diz que pode ser candidata a uma cadeira na Câmara Municipal de São Paulo pelo PTN (Partido Trabalhista Nacional) e conta como se tornou uma dedicada ativista das causas animal, ambiental e vegana, fazendo parte, como secretária-geral, do Santuário Terra dos Bichos, no interior de São Paulo.



Karina com um dos vários animais recolhidos e tratados pelo Santuário Terra dos Bichos. (Foto: Arquivo pessoal)


Após onze anos, em outro escândalo ainda maior que o Mensalão, pela primeira vez Lula está na berlinda e pode até mesmo receber voz de prisão. Na época de sua entrevista à IstoÉ Dinheiro, você afirmou que sempre foi eleitora do PT e que fez as denúncias por patriotismo. Como você se sente agora, com o andamento e descobertas da Operação Lava-Jato?
Me sinto como qualquer outro brasileiro, decepcionada e indignada com a situação em que está nosso País. Um país extremamente rico, mas que foi roubado descaradamente por pessoas sem caráter e loucas por poder.
Fui eleitora do Lula, sim, pois vim de uma geração onde o PT e Lula eram a esperança como representantes do povo trabalhador e honesto, coisa não se concretizou diante de sua sede por poder. Como diz o velho ditado: “Dê-lhes o poder e lhes mostrarão quem são”.

Autoridades políticas, até então consideradas intocáveis, como José Dirceu, José Genoíno e Delúbio Soares, entre outros, foram condenados e presos em consequência de suas denúncias. Você considera que a justiça foi ou está finalmente sendo feita?
A justiça, sim, está sendo feita, mas esta justiça tem que ser para todos, sem exceções e dura com todos os corruptos. Nosso País não aguenta mais a corrupção, seja em qual instância ela se apresente. A classe média não aguenta mais pagar a conta de regalias de pseudorrepresentantes, haja vista a qualidade dos deputados federais na ocasião da votação do impeachment. A maioria não representa o cidadão de bem que luta diariamente para pagar duplicado por educação, saúde, segurança e tudo mais. Acabou. A mão da justiça tem que ser forte, seja para quem for. Só assim, corrupto e corruptor devem ser punidos com rigor da Lei.

Recentemente, Conceição Andrade, ex-funcionária da Odebrecht, apresentou uma lista com cerca de 500 nomes de políticos e autoridades que recebiam propinas da empreiteira. Você acredita que atitudes como a dela podem ter inspiração em suas denúncias sobre o Mensalão e que podem ajudar a passar o Brasil a limpo?
Minha inspiração veio por ter sido criada em uma família de professores, onde ser íntegra e honesta é raiz forte. No caso da Conceição, espero que tenha sido por motivos tão fortes quanto os meus e não por medo de ser processada.

Há rumores de que Marcos Valério pode voltar a propor ao Judiciário uma nova delação premiada. Você acha que podem existir informações de fatos ou suspeitas, acerca do Mensalão, que ainda não foram apurados ou adequadamente apurados? Acha que passou alguma coisa? Marcos Valério poderia, realmente, ter algo mais a dizer?
Tenho certeza absoluta que o Marcos tem muitas coisas ainda a falar. Só ainda não falou porque não chegou a hora, talvez.

Dentre os diversos nomes envolvidos no escândalo do Petrolão, alguns já estavam envolvidos com o Mensalão, como o próprio José Dirceu. Você chegou a ouvir, quando ainda trabalhava para Marcos Valério, alguma menção à Petrobras?
Desde que entrei na SMP&B, Petrobras, BNDES eram sempre citados em quase todas as negociatas.

Depois das denúncias à IstoÉ Dinheiro, você praticamente virou uma celebridade instantânea, chegando até a ser sondada pela revista Playboy e tentou a carreira política. Em 2006 você se candidatou à deputada federal pelo PMDB e, em 2008, tentou a Câmara dos Vereadores de São Paulo, pelo PHS. O que você acha que deu errado nas duas tentativas? Você pensa em tentar novamente?
Quanto ao PMDB, naquela época eu estava extremamente abalada por todas as coisas que havia passado, não conhecia os meandros e os lobos de plantão da política. Fui ameaçada por alguns caciques e no meio da campanha oficial estava muito cansada e sensibilizada. Perder a eleição, naquele momento, foi uma das melhores coisas que poderiam ter acontecido naquela época. Quanto a eleição de 2008, fui convidada por amigos para me filiar ao PHS, mas devido a disputas internas do partido, resolvi não concorrer.
Hoje sou filiada ao PTN, onde sei que sou respeitada e onde posso apresentar minhas propostas abertamente e, por esse motivo, hoje sou pré-candidata a vereadora pela cidade de São Paulo. Amo esta cidade e quero vê-la pulsante novamente. Sabemos que nossa cidade está sem a administração que ela merece. Mais uma vez, nossa cidade está à mercê de pessoas que só pensam em poder e nunca na população como um todo.

Pouco tempo depois das denúncias, você passou por muitas dificuldades: se divorciou, seu pai foi assassinado em um assalto, sofreu perseguições através de ações na justiça impetradas por Marcos Valério, teve dificuldades em conseguir trabalho. Como conseguiu superar tantos problemas?
Vejo esses fatos como crescimento. Sou uma pessoa muito espiritualista, acredito que quando pulsamos Amor, recebemos Amor em troca. Para passar por tudo isso, me retirei por cinco anos em um sítio na cidade de São Roque, interior de São Paulo, para poder organizar todos os meus sentimentos e pensamentos, curar minha feridas e voltar ao que mais amo nesse mundo que é a causa animal, trabalhos de sustentabilidade ambiental e ajudar as mulheres que necessitam se reposicionarem como Mulher (em letras maiúsculas). Quando ajudamos, nós também somos ajudados e aprendemos com as dores dos outros, curamos as nossas e meu processo foi esse. Hoje sou ativista na causa da libertação animal, tentando amenizar o sofrimento de tantos animais que são explorados e maltratados diariamente. Por isso trabalho na Ong Santuário Terra dos Bichos, instituição que acolhe cerca de 500 animais vítimas de maus tratos e exploração. Um trabalho lindo que é feito por mulheres guerreiras. Juntos podemos mudar a realidade de nossa cidade, é só querermos. Isso é amadurecimento polítco.

Mesmo com uma formação que inclui ter morado no exterior, você teve dificuldades em encontrar um novo emprego. Você credita essa dificuldade à sua postura em relação à corrupção? Acha que por causa das denúncias as pessoas perderam a confiança em você?
Como as pessoas podem perder a confiança sendo que não me conhecem?
Acho sim, que houve um preconceito, mas isso é coisa do passado, sei que tenho qualificações administrativas que poucos possuem, isso me basta. Se existem pessoas que preferiram não me dar uma chance por esse motivo, é porque também não são confiáveis. Julgamos os outros pelo o que somos, simples assim.

A indignação dos brasileiros em relação à corrupção assumiu, nos últimos meses, proporções nunca antes vistas no País, graças a investigações como os escândalos do Mensalão e Petrolão, com mobilizações que chegam a ser maiores que as Diretas Já, de 1985, e os Caras Pintadas, de 1992, por parte da população. Como você vê isso? Pode caracterizar um amadurecimento do eleitorado?
Acho sinceramente que tudo veio à tona quando a economia começou a se fazer presente no nosso dia a dia, a perda do poder de compra, alta exorbitante dos juros, violência nas ruas etc. As investigações apenas mostraram que aqueles que eram idolatrados por tantos, não eram tão inocentes e nem tão honestos assim. Estopim para que todos se revoltassem. Quanto ao amadurecimento do eleitorado, espero que com as notícias tristes que são exibidas todos os dias nos noticiários, a população finalmente desperte para a política séria sem se vender para os aproveitadores de plantão.
Mas isso, só iremos ter certeza quando saírem os resoltados em outubro próximo.

O que você diria para as pessoas que sabem sobre esquemas ilícitos em seus locais de trabalho, comunidades ou grupos sociais e têm vontade de denunciar, mas não se sentem seguras? Vale a pena?
Sempre vale a pena, não existe nada melhor do que deitar e ter a consciência em paz.
Precisamos sempre denunciar a corrupção, ela é o câncer em nosso país. É ela, a corrupção, que faz com que tantos morram nos hospitais por falta de saúde de qualidade; é ela a responsável por não podermos nos sentir seguros ao andarmos nas ruas; é a corrupção que não deixa que nossas crianças tenham uma educação de qualidade. Afinal, quem estuda sabe cobrar. Se tem educação péssima, vira massa de manobra. Corrupção é isso: jogar todos os nossos direitos no ralo.
Brasileiro é povo batalhador não tem medo de trabalhar, temos tudo para fazer um país melhor, falo mais uma vez.
Se você sabe onde existe corrupção, denuncie. E se não denuncia, vira cúmplice dessa corrupção.
Servidor público é para servir a população e não para extorqui-la.

sexta-feira, 24 de junho de 2016

Karina Somaggio é intimada pela PF e deve contribuir com Lava-Jato

Ex-secretária de Marcos Valério denunciou o escândalo do ‘mensalão’ em 2005

Fernanda Karina Somaggio durante depoimento na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investigou as denúncias de corrupção nos Correios em 2005. (Foto: Valter Campanato/Agencia Brasil)


Erick Vizoki
Fernanda Karina Somaggio, ex-secretária do publicitário Marcos Valério de Souza, deverá voltar a ser destaque na mídia. Ela prestará novo depoimento à Polícia Federal, no próximo dia 21 de julho, na sede da Superintendência Regional da instituição em São Paulo. Ela recebeu a intimação no final de março deste ano. É possível que a ex-funcionária de Valério tenha novas informações que ainda não vieram à tona. A intimação pode ser devido aos recentes desdobramentos na Lava Jato e à delação do ex-líder do PT no Senado, Delcídio do Amaral, ocorrida em fevereiro, mas que vazou para a imprensa em março.
Em entrevista ao jornal Zero Hora no mesmo mês, Karina afirmou que o ex-senador reafirmou tudo o que ela havia dito onze anos atrás. A publicação informa, ainda, que ela “surge como potencial testemunha da Lava-Jato”. 
Há exatos onze anos Karina Somaggio ganhou fama nacional e internacional após denunciar, em entrevista histórica para a revista IstoÉ Dinheiro, em junho de 2005, os meandros e detalhes do maior escândalo de corrupção que se teve notícia até então no Brasil, o ‘Mensalão’. Na época, Karina era secretária direta de Marcos Valério na agência de publicidade SMP&B e responsável pela assessoria integral da agenda do ex-patrão, além de principal interlocutora entre o publicitário e diversos políticos do alto escalão do governo Lula e empresários. 
Com as denúncias na imprensa e depoimento na CPI dos Correios, o País soube que Valério era o operador do esquema de pagamento e recebimento de altas somas em propina para diversos políticos ligados à cúpula do governo e de partidos da base governista. Eram eles o Partido dos Trabalhadores (PT), Partido Popular Socialista (PPS), Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Partido da República (PR), Partido Socialista Brasileiro (PSB), Partido Republicano Progressista (PRP) e Partido Progressista (PP).  O episódio levou o Ministério Público a entrar com a ação penal nº 470 no Supremo Tribunal Federal. A imprensa passou a chamar o esquema de pagamento de propinas de “valerioduto”. 
Desde janeiro deste ano, Marcos Valério, condenado a 37 anos de prisão, tenta um acordo de delação premiada na Operação Lava-Jato. Mais recentemente, ele entregou ao Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MP-MG) uma proposta de colaboração para revelar novos detalhes sobre os escândalos do mensalão do PSDB e do PT. 
Karina Somaggio é atualmente pré-candidata a vereadora em São Paulo pelo Partido Trabalhista Nacional (PTN).