segunda-feira, 1 de junho de 2009

LIVROS


Herança de memórias caboclas
Erick Vizoki

O pequeno município de Tatuí (nome de origem Tupy-Guarani que significa “Água do Rio do Tatu”), interior de São Paulo, com pouco mais de 100 mil habitantes e a 126Km de distância da capital paulista, tem como principal referência o seu filho mais nobre, o escritor Paulo Setúbal, autor do clássico “Alma Cabocla”, entre outros marcos de nossa literatura como “A Marquesa dos Santos”.
Setúbal se empenhou, durante toda sua vida literária, em ressaltar a pureza e as belezas de nosso Brasil interiorano, nuances perceptíveis apenas para aqueles que vivem e respiram essas terras e que o grande escritor transmitiu, com rara sensibilidade, aos quatro cantos do país e ao exterior, chegando a praticamente entrar em rota de colisão com escritores modernistas. É muito comum deparar-nos, em cidades do interior, com visitantes e turistas metropolitanos comentando, em passeios por fazendas, sítios e matas, sobre “o cheiro da natureza”.
Se esses turistas tivessem lido “Onde Moram os Tatus – Um Punhadão de Estórias Caipiras” (Editora do Autor – 2008), do jornalista e escritor Ivan Camargo, acabariam percebendo que esse “cheiro da natureza” tem mais a ver com os “presentes fofos” deixados pelo jegue Carismático ao coronel Talarico do que com o cheiro do verde e da mata propriamente ditos.
E é nesse espírito jocoso e elegante que Ivan Camargo nos remete à história dessa bela cidade que é Tatuí. Ambientado no século XIX, o texto é composto de vários “causos” que se interligam e contam uma história ao mesmo tempo divertida e emocionante. Sem a pretensão de realizar um romance histórico, como fazia seu conterrâneo Paulo Setúbal, Ivan Camargo mescla fatos reais com uma ficção que beira o fantástico.
Seus caipiras são caipiras mesmo, e não caricaturas, que vivem o cotidiano tatuiense de duzentos anos atrás. A riqueza das histórias interioranas, por si só, se aproximam do sobrenatural, do estranho, bem ao gosto das regiões bucólicas brasileiras. As façanhas do “Xiru-Gato”, famoso assaltante e assassino da região, a centenária Rota do Muar, que ligava o Rio Grande do Sul ao interior de São Paulo e que ligava-se à “Peabiru”, lendária estrada indígena, a pioneira fábrica de ferro brasileira Ipanema, a moça estrangeira que se apavorou ao ver pela primeira vez um negro, entre outras curiosidades entremeadas pela narrativa descontraída de Ivan Camargo, nos dão a sensação de estar lendo um folhetim deitado numa rede, mergulhado no cheiro do capim e do café forte.
É impossível não se encantar com o jegue “Carismático” e torná-lo nosso herói, por sua simpatia e provocações ao Coronel Talarico, um fazendeiro ignorante e metido a dono da cidade; o dono do jumento, o não menos simpático tropeiro Fala-Fina; o escravo Bento Garganta, encantador de abelhas e que sonha com a liberdade; o jovem Saboroso, filho de fazendeiros, visionário, adepto dos psicotrópicos da época e que teria um destino surpreendente; e muitas outras figuras familiares em nosso folclore caboclo.
Ficamos sabendo também a origem de termos como “para inglês ver” e negociar “no fio da barba” (ou sua variação, “fio do bigode”). “Onde Moram os Tatus” é uma viagem no tempo por estrada de terra no fim da tarde. Uma viagem divertida, instrutiva e, claro, cabocla!

O autor - Ivan Camargo, residente em Tatuí, no interior de São Paulo, é jornalista, pós-graduado em comunicação social. Atualmente, trabalha como editor do jornal “O Progresso de Tatuí”. O autor tem especialização em história da arte, adaptação de obras literárias para cinema e TV e roteiro para cinema. Já escreveu diversos curtas-metragens, um longa e quatro peças de teatro.
Em 2008, somou duas distinções no II Prêmio de Literatura UBE/Scortecci. Além da menção honrosa ao livro “Onde Moram os Tatus”, foi o vencedor desse concurso nacional com a peça de teatro “O Cativeiro”.

Onde Moram os Tatus
Autor: Ivan Camargo
Páginas: 236
Editora: Edição do autor